O filme Wonder, baseado no livro homónimo da
escritora Raquel J. Palacio, aborda a história de um menino – August Pullman –
que nasceu com deformidade facial, proveniente da doença congénita Síndrome de Treacher Collins, tendo sido
submetido a diversas intervenções cirúrgicas para poder ver, cheirar, falar e
ouvir.
A sua história inicia-se
com o seu ingresso no 5º ano numa escola pública. Até então, sempre esteve
protegido no seio familiar, tendo a sua mãe como professora. A partir desse
momento, todos os membros da sua família, pais e irmã mais velha, são
confrontados com diversas situações provenientes da nova realidade centrada no
desafio da sua integração no meio escolar e social. Integração esta que nos
incita a refletir sobre o papel da Família como fundamental para o
desenvolvimento humano e para a aprendizagem social e sobre a Escola como local
de aprendizagens, convivências, diversidade de culturas, conflitos, amizades,
preconceitos, angústias e também alegrias.
O filme leva-nos a pensar
na família como o núcleo mais importante da vida de uma criança. As estreitas
relações familiares entre Auggie e os seus pais ou a sua irmã são fatores que
influenciam o seu desenvolvimento psicossocial e emocional, a sua autoestima, a
sua perceção de proteção e o seu desejo de sair do mundo restrito familiar e
querer aventurar-se num mundo ainda por conhecer, que é a Escola.
Sendo Auggie apaixonado
pelo Espaço, usa o seu capacete de astronauta para brincar e divertir-se,
enquanto se protege do olhar dos outros. É o capacete que lhe permite imaginar
onde quer estar quando sente dificuldades na sua integração. Por isso, algumas
vezes, durante o decorrer do filme torna-se realidade o conselho da sua mãe “Se
não gostas de onde estás, imagina onde queres estar” e Auggie quando confrontado
com dificuldades de integração no meio escolar imagina todo um ambiente
propício ao amor, à aceitação da sua “diferença” e à construção de toda uma
realidade que o envolve na convivência positiva com as outras crianças,
lembrando-se das palavras do pai “Não estás só”.
No desenrolar desta
narrativa existem outras personagens que apresentam a sua própria história,
sendo possível conhecermos mais profundamente nas suas relações familiares e de
amizade cada uma delas. É o caso da sua irmã, Via, da melhor amiga Miranda, dos
seus pais, Nate e Isabel.
Cada uma
destas personagens apresenta uma perspetiva sistémica de que a família é um
sistema aberto, em constante dinâmica e relação com a sociedade. É sem dúvida a
primeira e mais forte instituição de socialização em que a aprendizagem é
realizada através da sua própria experiência e é interessante a maneira como se
adaptam às mudanças que decorrem do crescimento dos seus membros. É na
existência de um ambiente familiar tranquilo, afetivo, estruturante e
organizador que Auggie e Via aprendem a expressar as suas emoções, a
ultrapassar os medos e a resolver conflitos exteriores ao ambiente familiar
como o bullying ou a discriminação na
escola.
Neste
sentido, o tema do desejo de inclusão de Auggie é transversal no desenrolar da
história, contudo outras perspetivas vão sendo expostas, como é o caso da sua
irmã, que se sente “invisível” perante a família, sendo o irmão o foco das
atenções/preocupações. Deste modo, Via sente-se sozinha, apesar do amor incondicional
pelo seu irmão, diz ao seu namorado que é filha única e que só a falecida avó
se preocupava com ela. No entanto, revela ser uma jovem calma, compreensiva e
ponderada apesar de sofrer por considerar que está sempre em segundo plano na
família.
Este filme também nos
impele a refletir sobre as escolhas da sua mãe que, desde que Auggie nasceu,
abdicou de toda a sua vida pessoal e profissional para se dedicar a ele.
Tornou-se a sua professora, de modo a evitar medos, ansiedades, complexos
inerentes a ambientes sociais, mas por outro lado, preparou o seu filho
fortalecendo os seus valores, a sua motivação, a autoestima e a autonomia, para
que fosse possível enfrentar o mundo exterior, que espelha as relações
opressoras e de exclusão, construídas no interior da sociedade. A sua ligação
com o filho é muito forte.
No seu percurso de
integração, Auggie, dispensa o seu capacete de proteção e enfrenta situações de
bullying, através de mensagens
intimidatórias, frases humilhantes, encontrões, etc. Situações estas que o
fazem sofrer mas que acabam por ser resolvidas pelo Diretor da Escola que lhe
proporciona um ambiente de inclusão. Após reconhecer o colega de turma, Jack,
como o autor dos atos repreensíveis. Este aluno é punido, enquanto nos damos
conta que são os seus pais os responsáveis pelas suas atitudes e
comportamentos, fruto da sua educação.
Coloca-se a questão de até
que ponto a educação no contexto familiar pode deformar em vez de formar um
indivíduo. Cada um de nós trava duras batalhas interiores e exteriores pela
vida fora dando um pouco de nós aos outros e recebendo um pouco dos outros em
nós. São-nos incutidos, transmitidos ou recusados valores e deparamo-nos com
limitações sejam elas físicas, emocionais ou familiares.
É também evidenciado o
dualismo existente na sociedade entre a essência e a aparência. Uma realidade,
que constantemente nos põe à prova do desafio de sermos nós mesmos e do que os
outros esperam de nós. É neste jogo de expetativas que vamos conhecendo os
medos, as alegrias, os receios e os constantes desafios que a vida proporciona
às personagens do filme. Auggie aceita este desafio fazendo uma escolha
individual, que cresce com o seu desejo de integração. Esta sua escolha tem o
apoio da sua Família, que lhe proporciona proteção, orientação, interiorização
de valores como a justiça, a bondade, a resiliência, entre outros. Estruturando
dessa forma o seu caráter, personalidade, autonomia, ao mesmo tempo que aceita
conselhos e participa nas decisões sobre assuntos familiares, como por exemplo,
quando é questionado pela mãe se quer continuar na Escola.
Outro ponto fulcral no
filme será o facto de ser enaltecido o valor da Amizade, pois é sem dúvida, no
contexto escolar que se constroem os verdadeiros amigos, tal como acontece com
Auggie e Jack, com a Summer e outros colegas. Estes laços fortalecem-se à medida
que o vão conhecendo e o integram nas suas vidas. A escolha de todos eles é no
sentido de simplesmente abrirem o seu coração e olharem para Auggie tal como
ele é. Não se pode mudar a aparência, mas sim a nossa maneira de ver, como
afirmou o Diretor da Escola. Reconhecer a nossa humanidade no outro e perceber
o outro na sua essência, não é tarefa fácil. O que mais importa é quando temos
de escolher entre o estar certo e o ser gentil, escolher a última. É esta
escolha que faz toda a diferença entre o que somos e o que os outros esperam de
nós. É ter a capacidade de ser tolerante e compreensivo com as diferenças, com
a diversidade de vivências e pensamentos. É ter a extraordinária capacidade de
colocar o Amor, a Ternura e a Compreensão frente à teimosia de impormos ao
outro as nossas ideias e pensamentos. Não é preciso convencer o outro só porque
pensa diferente de nós. É este o maior desafio que o filme nos lança: o passar
pelas vidas dos outros e com a leveza de uma brisa gentilmente os tocar e fazer
toda a diferença nas suas vidas. Porque ser diferente passa por um processo de
aceitação, de ser quem somos, dando a oportunidade dos outros caminharem
connosco de mãos dadas numa perspetiva de comunhão. É esta extraordinária prova
de coragem e de força interior que são reconhecidas nas ações de Auggie e que o
faz merecer o prémio Henry Ward Beecher.
Apesar da riqueza de pontos positivos que o
filme nos mostra, talvez o menos conseguido seja a questão do humor, que vai
sendo introduzida no decorrer da história. Na maioria destes momentos torna-se
preciosa a relação de Auggie com o seu pai, que se junta às suas brincadeiras.
Contudo, pensamos que fosse merecido existir um maior relevo no seu papel. Auggie transmite o lema do filme: "anormalidade", como algo positivo, onde o Amor, a Diferença e a Aceitação fazem este extraordinário filme.

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